Entrevista com Mauro Beting.

Um dos mais ilustres palmeirenses conhecidos, Mauro Beting emplacou seu nome em todo Brasil, com sua habilidade na escrita, emocionou milhares de torcedores. Esse é nosso entrevistado, talvez o mais dinâmico dos jornalistas, mas com toda certeza uma das pessoas mais humildes que conheci dentro do jornalismo. De forma espontânea, aceitou falar conosco com uma simplicidade invejável. Filho de Joelmir Beting, Mauro honra o sobrenome de seu pai com um grande profissionalismo.
Todos sabemos que escreveu vários livros sobre seu time do coração. Qual foi a sensação de discorrer em um de 167 páginas a história de um dos maiores ídolos da história do Palmeiras, Marcos Roberto Silveira Reis?

Mauro Beting: Primeiramente, é um privilégio estar conversando com vocês. Falando de oportunidade, eu nunca imaginei que iria escrever 14 obras literárias, dirigir um filme que, aliás ,o segundo em breve estará em cartaz: “ Palmeiras: o Campeão do Século” .Sinceramente não imaginava que um dia pudesse escrever a história de ídolos como Evair (redigi a autobiografia dele no Palmeiras) e a do Marcos. A primeira foi uma convite da editora do próprio jogador e do outro autor, Fernando Gallupo; já a do Marcos foi uma ideia que tive saindo de um treino em que eu, o ex-goleiro e Carlos Pracidelli ficamos uma hora conversando depois do término das atividades. Ia jantar naquele dia, então comecei a anotar em um papel mesmo, de rascunho, algumas das histórias para contar na refeição pros meus colegas e falei ‘Cara, é tanta história boa, não é pra contar só pros meus amigos, é pra contar pra todo mundo! O Marcos merece um livro!’. A gente conversou na semana seguinte e ele aceitou, só que só queria fazer o livro quando encerrasse a carreira e foi o que aconteceu. Eu levei um projeto pra editora, estava bem encaminhado, mas ai veio uma concorrente que fez uma proposta fabulosa pro Palmeiras, que acabou fechando um pacote de três livros e como tinha outras documentações já em curso, eu acabei fazendo. Foi uma honra escrever pelo Marcos, fiz os textos dele no livro do Cesar Greco. Isso foi junto ao meu pai, no qual fizemos até o prefácio, que foi seu ultimo texto antes de morrer, então foi muito emocionante.
Ir ao lançamento do livro foi a ultima coisa que meu pai fez antes de falecer e foi para oito mil e quinhentas pessoas. Na época, o maior lançamento no Brasil e de um cara sensacional. Naquela noite de autógrafos, lembro-me de perguntar, para as pessoas que estavam lá, para qual time elas torciam e elas falavam baixinho que preferiam Corinthians, Flamengo, Vasco; isso mostra que o Marcos é de todas as torcidas. A obra tem como título “Nunca fui Santo” , pois ele não é mesmo, mas é o mais ser humano dos caras. A sensação é a melhor possível; as vezes, dou uma relida e me emociono por ter colocado em papel tal história. Fico muito feliz também que pessoas bem próximas ao Marcão me ligaram parabenizando e dizendo ‘Eu sentia como se fosse ele contando as histórias’. É um privilégio, porque, formalmente, não teve nenhuma entrevista para o livro; boa parte são anotações que eu fazia, pegava nos meus arquivos e me guiava com o que eu sabia dele. Até algumas coisa que ele não falou eu meio que botei na boca dele , pois sei mais ou menos como Marcos pensava, eu também sou goleiro! Quando ele falava do livro, dizia ‘Pô Maurão ,ficou bão isso ai’. É realmente um negócio muito gostoso, é incrivel ter feito algo com as palavras dele.

Você sempre recorda que a sua inspiração para se tornar jornalista/escritor partiu do seu pai, o grande Joelmir Beting, e da Sociedade Esportiva Palmeiras. Diante disso, poderia nos contar o que sentiu ao realizar esse sonho, ao lado do seu genitor?

Mauro Beting: É, eu realmente… também outra coisa que eu jamais poderia imaginar era trabalhar com o meu pai. Eu sempre quis ser jornalista. Sou periodista de útero, eu falo; meus pais se conheceram numa rádio. Sou neto, filho, primo, padrinho, sobrinho, afilhado de jornalista. A mãe dos meus filhos também é. Então, não tinha como eu não ser. E trabalhar com o meu pai seria um sonho, que só realizei aos 17 anos, depois que comecei na carreira, lá no Bandsports e, depois, na rádio Bandeirantes. A gente tinha até um programa no primeiro chamado “Beting e Beting”. Eu jamais poderia imaginar que um dia poderia fazer um monte de coisas. Trabalhar com o meu pai como trabalhei. E sempre tive a noção absoluta de que nunca superaria meu pai em tudo. Pelo menos no amor ao Palmeiras. Amor que eu tenho, claro, desde os 49 anos em eu que nasci e dos 26 anos que estou no Jornalismo. Sou PALMEIRENSE há 49 anos e jornalista esportivo há 26 anos. Completei agora 29 de ofício, mas de esportes mesmo são 26. Foi um privilégio ser filho de quem sou. Porque o Joelmir é o melhor pai que um filho pode ter como jornalista e o melhor pai que um jornalista pode ser. Então eu ter trabalhado com ele foi uma oportunidade enorme e, realmente, nunca imaginei. O cara que é a minha inspiração não só como repórter, mas como progenitor e como pessoa, que eu pude trabalhar. Uma das primeiras coisas que fiz de texto foi escrever junto com ele, ou por ele, em nome dele, um prefácio de um livro. E foi legal que um grande amigo dele, um publicitário brilhante, ligou pra ele e falou ‘pô Joelmir, só você pra escrever um prefácio como esse ‘ e, na verdade, eu que tinha escrito. Então eu tenho algumas coisas que, por “osmose”, digamos assim, do jornalismo do meu pai. Mas nunca tive a capacidade, a competência e a força dele, inclusive, como periodista esportivo, que criou a placa do gol de placa do Pelé, em 61. É uma coisa tão forte, tão intensa, que eu também jamais imaginaria que, infelizmente, o maior trunfo, talvez, o melhor trabalho que eu tenha feito no jornalismo foi ter contado ao mundo, literalmente ao mundo, via rádio Bandeirantes, na madrugada de 29 de Novembro de 2012, que ele havia morrido. Eu não tive coragem pra contar pros meus filhos que o avô tinha morrido, mas eu contei ao vivo e sem, digamos, gaguejar (eu que gaguejo bastante) que ele tinha morrido. Então, o maior trunfo, digamos… trunfo não, nem dá pra usar, sei lá que termo que tem. O maior TRABALHO que eu fiz como jornalista foi contar a morte do meu próprio pai, ao vivo. Acho que foi uma coisa que, imagino, deva tê-lo honrado.

Mauro e seu pai Joelmir Beting.
Mauro e seu pai Joelmir Beting.

Um dos jogos que mais marcou a campanha do Palmeiras no tricampeonato da Copa do Brasil, no ano de 2015, foi contra o Internacional, no Allianz Parque. Como torcedor, o que passou pela sua cabeça entre a eliminação, no gol de cabeça de Lisandro López, e a classificação, na cabeçada do herói inesperado Andrei Girotto?

Mauro Beting: Sabe que é engraçado esse jogo, porque eu estava fazendo um jogo pela rádio Bandeirantes e saí do Central Fox, da Fox Sports, às 9 horas e o jogo era logo em seguida,logo, eu não tinha como chegar ao Allianz Parque, e então comentei aquele jogo pela Jovem Pan, do estúdio, ali na Paulista e não pude estar no estádio. E, chegando lá, eu fui correndo e fiz. E desde que eu trabalho em rádio e televisão, que eu transmito jogos ao vivo, no finalzinho de 1991, eu não torço no ar. Nem a favor, nem contra. E não só eu, qualquer um. Uns mais, outros menos, porque é que nem juiz, você tá lá para trabalhar. O Palmeiras, certamente, nos últimos tempos, teve presidentes que não gostavam do clube, jogadores que odiavam, treinadores que detestavam. Então estamos trabalhando. É um dos jogos que eu mais sofri porque tem muito do sofrimento que meus filhos têm, que a minha mulher tem, que a minha filhotinha também tem agora, enfim. E eu sinto também, até porque cada vez mais abro o meu coração, por isso que, vezes a gente sente um pouco mais, e eu sei lá porque esse jogo contra o Inter foi um que calou muito fundo. Mais do que qualquer jogo, contra o Fluminense, por exemplo, que eu fiz pela Fox ou a final do Allianz Parque contra o Santos, que eu também fiz pela Jovem Pan. É um jogo que me pegou muito, foi muito nervoso e tal, e na hora que saiu o gol do Lisandro López, eu falei “putz, morreu, né”, e estava um jogo lá e cá, e tal. Quando saiu o gol do Girotto, foi um negócio sensacional e ficou aquele sufoco até o fim. Qualquer gol do time do Argel, o Palmeiras estaria eliminado. Tanto é que ali, em seguida, eu falei na Jovem Pan e logo botei no Twitter, depois até virou meme, como é que é mesmo: “a boa notícia: ainda estou vivo, a má notícia: ainda morro disso” . Foi usado até por outras torcidas, outros colegas, porque realmente foi uma sensação impressionante. Eu acho por incrível que pareça ou não, foi o jogo que eu mais sofri comentando, foi esse Palmeiras x Internacional da Copa do Brasil de 2015.

O seu talento com as palavras atrai fãs não só palmeirenses, mas também corintianos, tricolores, santistas, entre outros. E, para alguns palestrinos, te ver falar bem de outros times incomoda bastante. Qual sua opinião sobre essa “divisão” de opiniões?

Mauro Beting: É, só da pra tentar entender a loucura que é o futebol sendo torcedor, por isso que eu acho que o jornalista jamais pode deixar de ser torcedor.
E muito menos deixar de torcer pra um clube, ou trocar seu clube pelo outro. Ai o público tem todo o direito de trocar o jornalista e o torcedor tem todo o direito de me criticar, eu “Mauro Beting torcedor” muitas vezes odeio o “eu Mauro Beting jornalista”, a pessoa física Mauro Beting, não gosta da pessoa jurídica Mauro Beting, mas faz parte do meu negócio, eu não sou pago para torcer, eu sou pago pra tentar ser repórter, tentar ser imparcial, objetivo e isento. E muitas vezes, ao tentar ser isso, eu acabo sendo parcial contra o Palmeiras; na dúvida eu vou achar que não é pênalti pro Palmeiras, porque eu não sei se é minha miopia, se é dor de cotovelo, dor de fígado, enfim, dor de cabeça, do coração, eu vou contra o Palmeiras, e assumidamente eu falo isso, o que me causa problemas. Tenho muito mais impasses com a torcida do Palmeiras, do que com qualquer outra, eu tenho vários textos em livros do Corinthians, acabei de fazer um prefácio do Vasco BiCampeão Carioca, fiz, recentemente, um sobre o livro do Cruzeiro, tenho textos do centenário do Internacional, do Atlético Mineiro, livro do Botafogo, livro do Flamengo, tenho texto dos 110 anos do Grêmio que muita gente quer colocar na arena, no dia do centenário do Corinthians tinha um texto meu na Gaviões da Fiel, não era do Juca Kfouri, era meu. Então assim, eu tento ser quando eu escrevo pro Corinthians e outro clube, do Coronel Bolonhesa, eu tento ser torcedor, é uma das características do meu trabalho, e até por isso a torcida do Palmeiras fica irritada, porque quer que eu seja um porta berra da arquibancada, porta saco do elenco, da diretoria, e um porta voz né, e que eu não posso ser, não sou pago pra isso e, convenhamos, o Palmeiras não tem preço pra qualquer um fazer isso né, claro que eu me exponho demais com tantas coisas que eu faço, mas eu acho que faz parte do meu ofício e entendo isso, entendo muito o lado do torcedor porque eu também sou, e mesmo a minha mãe, Dona Lucila, presidente da TUP, torcida insuportável do Palmeiras, é uma das que sabe e me cornetam muito, e acho absolutamente natural que eu faça isso, e tente ser esse torcedor quando analisa os outros clubes também!

O futebol brasileiro, de um modo geral, revela bons jogadores todos os anos. Gabriel Jesus, Matheus Sales, Gabigol, Gustavo Henrique, Zeca, Thiago Maia, Rodrigo Caio, Gustavo Scarpa, Felipe Vizeu, Jorge, Otávio, Rodrigo Dourado, Luan, Douglas Santos, entre outros, e ainda temos os craques da Europa: Neymar, Douglas Costa, Lucas, Willian, Philippe Coutinho, Lucas Silva; porém nunca ganhamos uma olimpíada. Poderia nos dizer por que ainda não conseguimos conquistar essa medalha de ouro?

Mauro Beting: Tem vários motivos, desde a nossa primeira olimpíada em 52. De 1952 até 1980, as seleções não podiam levar os jogadores profissionais, somente os” amadores” da Cortina de Ferro da época. Grandes equipes, como a Hungria de 52, a Polônia de 76, mesmo a Alemanha Oriental que levou o ouro em 96 no Canada, eram os profissionais do leste europeu, então era difícil dar certo; em 84 e 88, quando podíamos levar jogadores que não tinham disputado Copa do Mundo, foi melhor, fomos prata nesses dois anos. Em 1984, era meio “mambemba”, era a base do Internacional, que nem era o melhor time do Brasil, com alguns jovens conseguiu a segunda colocação; em 1988, merecíamos o ouro, mas acabou perdendo; 92, uma ótima geração que acabou não indo pro campeonato em Barcelona; em 1996 fizemos uma “mega “ preparação e saímos pelo “ canudo “ diante da Nigéria. Em 2000, tivemos aquela crise com Luxemburgo que não quis convocar os três marmanjos que tinha direito. Nós perdemos animicamente ,já que ele estava com a cabeça no meio das CPI do Futebol em Brasília e perdeu também para 9 jogadores de Camarões; 2004 foi lamentável, nem fomos viajar para disputar; em 2008, foi de qualquer jeito a preparação, uma vergonha. Dunga pegou uma equipe que tinha Messi pela frente; em 2012, Mano Menezes assumiu em cima da hora e não nos preparamos legal, éramos favoritos e fomos derrotados por um bom time do México. Agora vamos jogar em casa, vai ter Neymar, também um certo mau humor do futebol brasileiro. Mas, por todas essas questões casuais, não deu, todavia não estamos fazendo algo brilhante, não que fosse o caso do Dunga assumir, até porque ele não tem a ver com o ótimo trabalho do Rogério Miccale. Temos condições de ser o pais mandante e ganhar, porém é difícil imaginar e explicar, por mais que tenha dado alguns pontos, os motivos que o Brasil ainda não ganhou o ouro olímpico.

Agora voltando ao seu pai, grande Joelmir. Quando começou a faculdade de jornalismo, teve certo receio em ser somente uma sombra dele? E como conseguiu desvencilhar – se dessa possível pressão?

Mauro Beting: Eu sempre quis ser jornalista, desde berço, nunca me vi fazendo outra coisa; na USP, fiz o curso de Direito mais torto possível e de noite Jornalismo na FIE que era mais perto de casa na época. A partir do 3° ano das duas faculdades comecei a trabalhar na TV Bandeirantes; eu sempre quis assumir ser o filho de quem eu sou e assinar Beting. No começo, queria até dividir meu primeiro nome , digamos, era Mauro Zioni Beting, que era nome do meu avô, claro, materno. O sobrenome de meu pai é o da minha tia Cecilia, mãe dos brilhantes Erich Beting e Graziela Beting, também jornalistas. Então eu pensei ‘ Quer saber? Tenho a imensa honra de ser filho do meu pai, então vou assinar Beting, pois eu sei que nunca vou chegar à altura dele’. Então é por isso que sempre pude levar isso de tranquilo, porque eu me preparei, não para ser melhor que ele, mas, ao mesmo tempo, acabo me cobrando muito para ser do mesmo nível que ele, ou então trabalhar tanto quanto. Por isso não sou o jornalista que mais trabalha, mas sim o mais versátil. Faço textos em jornais, na internet, comento jogos em rádios e TVs, no videogame, sou curador do museu Pelé e da CBF, estou junto em quatro projetos culturais envolvendo a história do futebol brasileiro, do Palmeiras e outros clubes também, apresento palestras, até preleção para jogadores já fiz. Eu quero ser assim, como foi meu pai, que era multimídia antes mesmo desse termo existir. Eu não encaro como pressão, tem alguns que falam que só tenho sucesso por causa do Joelmir, isso que ele morreu faz mais de três anos e só fui trabalhar com ele depois de dezessete anos de profissão, além de não ser nepotista, sou burro mesmo.