Um simpático time do ABC Paulista, no início deste século, encantou todos os brasileiros apaixonados por futebol. Aproveitando-se do confuso regulamento do Campeonato Brasileiro 2000 — Copa João Havelange, o São Caetano, até então desconhecido nos grandes centros futebolísticos do país, chegou à final da disputa naquele ano de forma surpreendente, eliminando Fluminense, Palmeiras e Grêmio do torneio. Na polêmica decisão, o Azulão foi derrotado pelo Vasco e ficou com a segunda colocação.
Em 2001, pela Taça Libertadores da América, a equipe paulista voltou a apresentar um ótimo futebol. Garantiu a classificação para as oitavas de final como 2º colocado do Grupo 7, numa campanha com duas vitórias, dois empates e duas derrotas, mas ficou pelo caminho nesta fase, sendo eliminado pelo Palmeiras. No primeiro confronto, que aconteceu no estádio Anacleto Campanella, o Azulão venceu por 1 a 0, com gol marcado por Marlon. Uma semana depois, no Palestra Itália, o Verdão devolveu o placar através de Muñoz e, nos pênaltis, bateu a equipe do ABC Paulista por 5 a 3.
Já no Campeonato Brasileiro, o São Caetano terminou a primeira fase com a melhor campanha entre os oito clubes que se classificaram para as quartas de final. Assim, a equipe paulista obteve a vantagem de disputar os jogos decisivos no estádio Anacleto Campanella. Foram 59 pontos conquistados num desempenho com 18 vitórias, 5 empates e apenas 4 derrotas. Antes de chegar à decisão, o Azulão eliminou Bahia e Atlético-MG. Na final, foi derrotado nas duas partidas pelo Atlético-PR, ficando, pelo segundo ano consecutivo, com o vice-campeonato.
Missão continental
O São Caetano veio para a temporada 2002 mantendo Jair Picerni como técnico, permanecendo com a mesma filosofia dos anos anteriores e com uma equipe forte. No torneio Rio-SP, foi eliminado pelo Corinthians na fase de semifinal. Sem disputar o Campeonato Paulista daquele ano, que contou apenas com a participação das equipes com menos expressão nacional devido ao campeonato citado anteriormente, restou, então, a Taça Libertadores da América como a principal competição daquele ano para o Azulão.
Equipe do São Caetano em 2002 (Foto: arquivo)
Integrando o Grupo 1 da competição junto com Alianza Lima, Cerro Porteño e Cobreloa, o Azulão terminou a primeira fase com a melhor campanha da chave. Com 12 pontos, a equipe paulista obteve 4 vitórias e duas derrotas. Os destaques ficaram por conta dos triunfos contra a equipe chilena, no Anacleto Campanella, e diante do time peruano, fora de casa, ambos por 3 a 0.
Oitavas de final: o primeiro passo
Começando a fase de mata-mata, o São Caetano teria pela frente a Universidad Católica-CHI. O primeiro confronto aconteceu no estádio San Carlos de Apoquindo, na cidade de Las Condes. Os gols saíram na etapa inicial. Logo aos 9 minutos, equipe brasileira abriu o placar com Anaílson, que aproveitou o rebote do goleiro Walker após o chute de Adãozinho e empurrou para as redes. O empate dos donos da casa veio aos 28. Luís Campos dividiu com Sílvio Luiz e, na sobra, concluiu para o gol.
No Anacleto Campanella, a partida começou bastante equilibrada. Aos poucos, o Azulão tomou conta do jogo e passou a pressionar o time chileno. O fruto do domínio apareceu rápido. Após cruzamento de Marcos Senna, Brandão desviou e Aílton cabeceou para as redes, mas o assistente assinalou impedimento na jogada e impediu a abertura do placar.
Antes do apito final da primeira etapa, a rede balançou. Serginho recebeu na intermediária ofensiva e efetuou um belo lançamento buscando Aílton, que recebeu totalmente livre de marcação na grande área chilena. O camisa 8 tocou de primeira em direção à marca de pênalti, e Brandão finalizou para as redes, sem chances de defesa para o Walker.
Quando o segundo tempo começou, a Universidad Católica se mostrou disposta a buscar o empate, e conseguiu alcançar o objetivo de forma rápida. Aos 6 minutos, Acuña cruzou para a área, Norambuena subiu mais que Marcos Senna, cabeceou firme e a bola ainda tocou na trave antes de balançar a rede de Sílvio Luiz: 1 a 1. O resultado levou a decisão da vaga para os pênaltis. Na disputa, o camisa 1 do Azulão defendeu a cobrança de Ormazábal, e Serginho converteu a última para a equipe brasileira, garantindo a vaga na fase seguinte.
Quartas de final: Davi x Golias
Para chegar à semifinal, o São Caetano tinha um gigante a superar. Pela frente, uma equipe pentacampeã da Taça Libertadores da América, uma das mais tradicionais do continente: Peñarol. O primeiro confronto foi no estádio Centenário, em Montevidéu. A equipe brasileira foi derrotada por 1 a 0. O gol do jogo foi marcado pelo zagueiro Robert Lima, aos 25 minutos da etapa inicial.
Em solo brasileiro, o confronto iniciou com um grande susto. Logo no primeiro minuto da partida, Daniel Jiménez demonstrou oportunismo ao aproveitar a falha de Sílvio Luiz num cruzamento e, de cabeça, balançou as redes, abrindo o placar para o Peñarol e jogando um enorme balde de água fria nas esperanças da torcida do São Caetano.
Após o gol do Peñarol, o Azulão passou a tomar conta das ações ofensivas e mostrar superioridade em campo. A pressão surtiu efeito aos 26 minutos. Adãozinho cobrou falta em direção à grande área, Daniel desviou e a bola sobrou para Jean Carlos, que só teve o trabalho de empurrar para o gol e deixar tudo igual no placar.
O panorama da partida não mudou no segundo tempo. O São Caetano seguia encurralando o Peñarol, mas pecava nas finalizações. Mesmo assim, o gol da virada não demorou a sair. Aos 9 minutos, Aílton fez uma linda jogada e tocou para Somália. O centroavante, que já havia perdido duas oportunidades, não desperdiçou e encobriu o goleiro Berbia, deixando o time brasileiro em vantagem e levando a decisão para a disputa de pênaltis, a segunda consecutiva. Marcos Senna, Robert e Marlon converteram e garatiram a vaga para o Azulão.
Semifinal: a dois passos do paraíso
Se o objetivo era chegar à decisão, o São Caetano teria mais um desafio a vencer. Desta vez, a equipe brasileira tinha pela frente o América-MEX, time de melhor campanha da Taça Libertadores. Assim, o primeiro embate entre as equipes aconteceu no estádio Anacleto Campanella. Diferentemente das fases anteriores, o Azulão iria decidir a vaga fora de casa.
Após a bola rolar, o São Caetano se impôs, demonstrou superioridade e definiu o placar na primeira etapa. Aos 25 minutos, Somália fez uma linda jogada individual pelo lado esquerdo, tabelou com Robert, invadiu a área e chutou forte, sem chances de defesa para Rios. Um belo gol para abrir a contagem.
Pouco antes do final do primeiro tempo, a rede voltou a balançar. Marcos Senna fez uma boa jogada e tocou para Somália. O centroavante do Azulão passou pelo zagueiro e foi derrubado na grande área pelo goleiro Rios. O árbitro marcou pênalti. Na cobrança, Adãozinho não desperdiçou, ampliou o placar e garantiu uma ótima vantagem para a equipe brasileira.
No segundo jogo, com o estádio Azteca completamente lotado, o São Caetano voltou a surpreender. Precisando de um resultado simples, o Azulão começou o jogo pressionando o América-MEX. Aos 8 minutos, Aílton recebeu e não perdoou. Num lindo ataque, o time brasileiro abriu o placar e silenciou a torcida mexicana.
Depois do gol, o São Caetano optou por segurar a boa vantagem e administrar o tempo. O América-MEX empatou o placar no início do segundo tempo com gol marcado por Pardo, mas fracassou nas tentativas de virar o jogo. Bem posicionada, a equipe brasileira manteve o resultado até o fim e garantiu a vaga na final da principal competição do continente.
Final 1: fim da zica?
Após ficar em segundo lugar em duas decisões consecutivas pelo Campeonato Brasileiro, o São Caetano, com apenas 12 anos de fundação, estava na decisão da Taça de Libertadores da América. Até então, tradicionais clubes brasileiros, tais como Fluminense, Corinthians, Atlético-MG e Botafogo, nunca haviam chegado tão longe nesta competição. A decisão seria em casa, mas, devido a capacidade do estádio Anacleto Campanella ser inferior à recomendação da CONMEBOL para decisões internacionais, o jogo teve que ser transferido para o Pacaembu. Pela frente, o Azulão teria o Olímpia, que eliminou o Grêmio na semifinal.
A primeira parte da final aconteceu no estádio Defensores del Chaco, em Assunção. Quando a bola rolou, as duas equipes foram ao ataque, mas a primeira boa chance foi do Azulão. Marcos Senna tocou para Aílton, que chutou forte da intermediária, mas Tavarelli defendeu. A resposta paraguaia veio aos 20 minutos, quando Franco arriscou e levou perigo ao gol de Silvio Luiz.
Antes do fim da primeira etapa, o Olímpia pressionou a equipe brasileira. Na melhor chance, Franco recebeu na intermediária e arriscou um novo chute. Desta vez, a bola passou por cima do travessão do São Caetano.
A equipe brasileira corrigiu as falhas de posicionamento e voltou ao campo demonstrando superioridade. Assim, o gol não demorou a sair. Aos 15 minutos, Russo fez uma bela jogada individual pela direita, passou pela marcação e cruzou em direção à área. Aílton, bem posicionado na segunda trave, cabeceou firme e abriu o placar. Se o empate era um bom resultado, a vitória era extraordinária.
Aílton comemora o gol da vitória em Assunção (Foto: arquivo)
O silêncio no estádio Defensores del Chaco era impressionante. Quando o árbitro encerrou a partida, foi nítido o sentimento de surpresa por parte de toda imprensa internacional e da torcida paraguaia, que não conhecia o São Caetano até aquele momento. O Azulão desembarcou no Brasil com uma bela vantagem na bagagem.
Final 2: novamente, o fracasso
São Caetano e Olímpia voltaram a se enfrentar uma semana depois, no estádio Pacaembu, em São Paulo, que estava completamente lotado. Com um público de 40 mil torcedores, sendo estes de vários times do estado, e apoiado pelo país inteiro, o Azulão, que tinha a vantagem de jogar pelo empate, ganhava a chance de, finalmente, gritar “é campeão!”.
Naquela noite, tudo começou diferente. Em campo, o São Caetano não conseguiu se impor e observou o Olímpia ser superior nas ações ofensivas e em posse de bola. O resultado disso quase foi visto aos 11 minutos, quando Dininho cometeu falta em Benítez bem próximo à grande área. Na cobrança, Isasi bateu forte e a bola passou rente à trave direita de Silvio Luiz.
Pouco tempo depois, Isasi lançou Órteman pela direita. O camisa 10 do Olímpia recebeu dentro da área e cruzou para a marca do pênalti. Para sorte do São Caetano, Báez cabeceou mal, mesmo com Silvio Luiz perdido no lance. A bola passou muito perto do gol defendido pelo goleiro brasileiro.
No melhor momento da equipe paraguaia em campo, a rede balançou, mas foi o São Caetano quem marcou. Aos 31 minutos, Aílton fez uma bela jogada pela intermediária e tabelou com Somália. Aproveitando o espaço dado pela defesa do Olímpia, o centroavante deixou o camisa 8 totalmente livre para bater na saída de Tavarelli e abrir o placar. Era o gol que deixava o Azulão com a mão na taça. Festa no Pacaembu, em São Caetano do Sul e em todo Brasil.
Jogadores do São Caetano comemoram o gol que encaminhava o título (Foto: arquivo)
Depois disso, apenas um fato chamou a atenção. O técnico Jair Picerni foi expulso por reclamação antes do final da primeira etapa. Em campo, o jogo ficou equilibrado. O São Caetano conseguiu controlar as ações do Olímpia, que sentiu o gol sofrido.
Fato inexplicável
Totalmente irreconhecível, o Azulão voltou mal para a segunda etapa e viu sua vantagem ser desfeita em pouco tempo. Aos 3 minutos, Órteman recebeu na área e tocou para Córdoba, que chutou forte, rasteiro, sem chances de defesa para Silvio Luiz. O resultado ainda dava o título ao São Caetano sem a necessidade de penalidades.
Dominado pelo Olímpia, a equipe brasileira não conseguiu responder ao gol sofrido e, nove minutos depois, levou o segundo. Após cruzamento em direção à grande área, Báez subiu mais que a defesa do Azulão e cabeceou. A bola encobriu Silvio Luiz e morreu no fundo das redes. Com a virada, o título seria decidido na disputa de pênaltis. Até a final, o time paulista havia passado por duas.
A chance de empatar e, consequentemente, conquistar o título da Libertadores caiu na cabeça de Daniel. Após cobrança de falta de Marcos Senna, o zagueiro desviou e a bola bateu no travessão de Tavarelli. Antes do apito final, o Olímpia perdeu Quintana, que foi expulso pelo árbitro Oscar Ruíz após cometer falta em Russo.
Penalidades
Restava a esperança nos pés dos cobradores escolhidos por Jair Picerni e nas mãos de Silvio Luiz. Na primeira sequência, Adãozinho abriu a contagem a favor do Azulão. Enciso deixou tudo igual. Em seguida, Marcos Senna converteu para o São Caetano e Órteman empatou a disputa.
Marlon foi o encarregado para a terceira cobrança da equipe brasileira. O lateral, que já havia participado das penalidades nas oitavas e nas quartas de final, chutou por cima do gol de Tavarelli. Depois, López bateu bem e colocou o Olímpia na frente.
Cabisbaixos, atletas do Azulão viram o Olímpia passar a frente nas penalidades e, depois, conquistar o título (Foto: arquivo)
Não poderia haver erro. Serginho foi o responsável pela quarta cobrança, mas o zagueiro bateu mal e a bola, novamente, passou por cima do gol. Restou a esperança em Silvio Luiz para que o sonho pudesse permanecer vivo. Caballero cobrou forte, rasteiro, e não deu chances de defesa para o goleiro do São Caetano, encerrando a disputa e conquistando o título para o Olímpia.
Ficha técnica
São Caetano 1 (2) x (4) 2 Olímpia
Data-Horário: 31/07/2002 – 21h45 Local: estádio Pacaembu, São Paulo Público: 40.000 pessoas Árbitro: Óscar Ruiz (COL) Assistentes: Oswaldo Diaz e Eduardo Botero (COL) Cartões amarelos: Russo e Marcos Senna (São Caetano); Cáceres, Benitez, Quintana e Órteman (Olímpia) Cartões vermelhos: Jair Picerni (São Caetano); Quintana (Olímpia) Gols: Aílton, aos 31’ (1-0); Córdoba, aos 48’ (1-1); Báez, aos 57’ (1-2)
São Caetano: Silvio Luiz; Russo, Daniel, Dininho e Rubens Cardoso; Marcos Senna, Adãozinho, Aílton (Vágner) e Robert (Serginho); Anaílson e Somália (Marlon). Técnico: Jair Picerni.
Olímpia: Tavarelli; Isasi, Cáceres, Zelaya e Da Silva; Enciso, Quintana, Orteman e Córdoba (Caballero); Benitez (López) e Báez (Franco). Técnico: Nery Pumpido.