Nosso vice presidente negou relação com os atrasos salariais, apesar do Sindicato confirmar o protesto e pediu na reunião que aguardássemos os jogos fora de casa, dando tempo para liberar aquela verba da Timemania. Esse foi o primeiro ato do movimento que como primeira consequência foi se livrar do peso da culpa pela crise. E o resultado foi a vitória que dava força para reivindicações do grupo, que comemorava o momento se parabenizando pela união.
Após o jogo, fomos informados que o restaurante do clube seria fechado. Péssima notícia, já que os problemas financeiros afetavam muito mais aos que recebiam menos e muitos jovens já estavam morando no clube porque não tinham condições de pagar a própria comida ou aluguel (auxílio moradia também estavam atrasados). Nos sentimos retaliados pela decisão de não concentrar, e partimos pra o segundo ato de protesto: decisão de não treinar 2 períodos.
Essas decisões eram tomadas e informadas através de comunicados em que todos os atletas, de forma voluntária, copiavam e colavam no grupo oficial do clube com atletas e comissão. A essa altura todos se ajudavam pagando passagens, lanche, inclusive o rachão tinha como castigo aos que perdessem, o fornecimento de cestas básicas para os funcionários. No grupo dos atletas todos exaltavam a união e, apesar das inúmeras dificuldades, as conversas eram regadas de muito humor, na tentativa de aliviar as notícias ruins que teimavam em chegar, como na reação da presidência que havia dito na mídia que o clube não tinha obrigação de alimentar os atletas e que a decisão por treinar um período, nada mais seria, do que uma opção para conter gastos.
Todos os nossos protestos eram diluídos e ninguém dava uma resposta às nossas atitudes. Elas eram ignoradas. A vontade compartilhada no grupo dos atletas era de fazer uma coletiva e expor todos os problemas que haviam no clube. Veio o empate com o Guarani e, na mesma noite, um desentendimento no grupo que queria continuar fechado. Alguém vazou a ideia da coletiva. Esse foi o assunto antes da viagem à Caruaru, que nos trouxe mais uma vitória renovadora e também uma notícia devastadora: após o jogo, a presidência reuniu alguns do time que viajou e declarou que não tem dinheiro e nem expectativa de entrar mais nada nesse ano. Ou seja, o dinheiro que estávamos esperando entrar para conseguirmos tolerar mais um pouco de tempo, já não existia mais. Foi um desespero.
No grupo dos atletas as reações eram variadas e sempre revoltadas. Ouvir o que diziam era tocante. Relatos como “não tenho nem dinheiro pra voltar pra casa” ou “como vou fazer pra pagar minha pensão?” e todos sabiam da necessidade de se fazer algo mais impactante. Todas essas situações relatadas de dificuldade eram que demandava união. Nessa altura a conta era “tô 3 meses atrasados e vamos terminar o campeonato com 5”. Nosso grupo tinha atletas que poderiam se manter até o fim do campeonato sem receber, mas resolvemos nos abraçar na hora em que foi escrito com a seguinte frase no nosso grupo: “vamos todos tomar uma decisão rapaziada. Ou cada um briga pelos seus direitos. É deixado bem claro, ninguém é obrigado a concordar.”
As opções eram: Segunda-feira anunciava a parada das atividades até pagarem; ou anunciava que iria de graça até o fim; e foi dada, ainda, uma opção de esperar mais 1 semana pra decidir. A decisão foi unânime pela parada. Fomos todos reunir com o Sindicato pra expor nossa intenção e ouvir as orientações sobre dúvidas futuras, tais como: suspensão de contrato; e até mesmo a possibilidade de contemplarem só alguns poucos atletas. Depois disso, todos decidiram iniciar a greve até que fossem pagos, além dos atletas, a comissão técnica e os funcionários da estrutura do clube. Era uma luta por direitos que visava não apenas o próprio lado, mas era por todos aqueles que convivemos durante o ano, dos mais humildes aos melhores remunerados. Era uma segunda-feira e acreditávamos que a exposição da crise financeira iria facilitar a busca por recursos. Foram os dias mais tensos da carreira de todos, o movimento era inédito até para os mais experientes. A causa pelo próximo era o que fortalecia e uma decisão como essa tomada não teria efeitos a qualquer sinal de desunião.
Após um dia, a diretoria convocou aos atletas mais jovens individualmente que logo noticiaram no grupo e receberam o apoio de todos. Após isso, um sinal de alento: chega uma proposta da diretoria. Apesar desta primeira proposta não conseguir, de imediato, pagar aos atletas, funcionários e comissão técnica, a esperança por dias melhores estava presente. Inciou-se uma discussão entre a gente pra chegarmos a um valor que atingiria à todos. E, já no ato da assinatura de concordância , fomos surpreendidos com a notícia de que os atletas com menores salários tiveram parte de seus salários pagos e foram ameaçados de demissão por justa causa, caso não fossem ao clube treinar.
Ainda na reunião, o Sindicato deu garantia que não sofreriam consequências caso quisessem permanecer lutando pelos que não receberam e foi perguntado sobre a vontade de continuar. Decidiram pela seguimento da greve, mas a tensão se tornava mais perceptível nas conversas.
Nessa nova convocação aos mais jovens tinha um diferencial: o dinheiro na conta. Alguns atletas, que neste momento, ficaram em dia, se sentiram pressionados e foram ao clube sem avisar o restante do grupo. Receberam a missão de serem os salvadores do ABC e são cantados pela torcida. Eles, junto com os funcionários, eram o principal motivo de todo o movimento. Não foi a vontade de salvar o clube que dividiu o grupo. Não foi, nem sequer, o pagamento de uma parte do elenco que dividiu o grupo. O movimento acabou quando a parte que recebeu decidiu, em segredo, desistir de lutar pelos companheiros e pelos funcionários, que recebem salário mínimo, que até hoje não devem ter recebido nada. A desconfiança do possível furo e, logo depois, a constatação disso revoltou aos outros que estavam na causa por Todos. Esse foi o momento mais acalorado nas resenhas do grupo e ficou difícil a relação entre nós, atletas. E, a partir daí, a história ficou acessível publicamente.
A tentativa de se pôr no lugar facilita muito a compreensão de tudo, principalmente se evitar o pré- julgamento e levar em conta a circunstância de cada lado. O Sindicato tomou frente na luta da categoria que o procurou. A diretoria se viu incapaz de buscar recursos e fez uma tentativa desesperada de salvar a gestão. Os mais novos, que receberam, não resistiram à pressão de lutar pelos companheiros e temeram exclusivamente pelas suas carreiras.
Os mais velhos foram, primeiro, eleito pelos mais jovens pra tomar partido da luta.. segundo, eleito pela diretoria caros demais pra seguir no barco e, terceiro, eleitos, pelos torcedores, traidores de clube e destruidores de talentos. Mas, se perguntam hoje se, foi errado lutar pelos companheiros diários nessa batalha que foi esse ano? Foi errado acreditar na União pra garantir o sustento de cada um?
Nem tudo foi um fracasso, já que, por conta do movimento de TODOS, uma parte do elenco recebeu. Além disso, o clube tem agora uma nova gestão caminhando para novos ares, como se viu neste último jogo, futebol alegre e solto. Por que? Porque tiveram apoio da torcida. Por que? Porque a diretoria pagou pra alguns voltarem, e jogarem. Por que? Porque tinham atletas que abraçaram a causa um do outro.
Se colocando no lugar de cada parte, talvez o leitor desta carta encontre razões em todos, ou culpa em todos. Mas, a verdade é que haviam motivos relevantes para o elenco inteiro. E tudo foi feito sem rompantes ou precipitações.