A chegada do Rei à Vila

Por Gabriel Pierin, do Centro de Memória

Na madrugada do domingo, 22 de julho de 1956, Pelé e seu pai, Dondinho, embarcaram no trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro para encontrar Waldemar de Brito na Estação da Luz, em São Paulo. De lá desceram para Santos em um ônibus do Expresso Brasileiro. Essa viagem mudou para sempre o Santos e o futebol mundial.

Pelé tinha apenas 15 anos quando deixou Bauru. O menino do interior sentiu um nó na garganta ao se despedir da mãe, dona Celeste, e do irmão, Zoca. Envolvido pela ansiedade, não conseguiu dormir na longa viagem em companhia do pai até São Paulo.

Na capital, o futuro Rei do Futebol reencontrou seu descobridor. Waldemar de Brito havia sido técnico de Pelé no time infantil do Bauru Atlético Clube, o Baquinho. Almoçaram em um restaurante perto da Estação da Luz antes de seguir viagem. Pelé ficou surpreso com os arranha-céus de São Paulo e as largas e movimentadas avenidas.

A paisagem da Via Anchieta se revelou deslumbrante para o garoto que nunca tinha visto o mar. Na viagem, ele ouviu conselhos do pai e do ex-técnico. Pediam para que não bebesse, não fumasse e não se metesse com mulheres. Ele ouvia tudo atentamente, sem tirar os olhos do cartão postal que se descortinava para além das curvas da estrada.

Desembarcaram em Santos e foram direto para a Vila Belmiro. O Santos enfrentava o São Bento de São Caetano do Sul pela quinta rodada da fase de classificação do Campeonato Paulista. Waldemar de Brito providenciou para que a mala de Pelé fosse para a concentração dos jogadores, no estádio, e conseguiu bons lugares para Dondinho e Pelé assistirem ao jogo.

O primeiro tempo foi equilibrado e terminou empatado. O meia-direita Bota, do time alviceleste do ABC, aproveitou o rebote de Manga e abriu o marcador aos 12 minutos. Aos 35, Tite recebeu a bola de Vasconcelos e empatou o jogo. No segundo tempo, o Santos voltou mais disposto e Vasconcelos marcou mais dois para o Peixe, fechando em 3 a 1 a quinta vitória consecutiva do time no campeonato que tornaria o Santos bicampeão paulista.

Pelé diz que, quando percebeu, já estava torcendo para o Santos, assim como os outros 5.300 torcedores presentes no Urbano Caldeira. O ambiente era alegre e Waldemar de Brito levou Pelé ao vestiário para ser apresentado ao técnico e aos jogadores.

O técnico Lula cumprimentou a jovem promessa: “Então é você o tal Pelé, heim?!”. O garoto ficou sem jeito e foi apresentado para o ídolo da torcida e dono da camisa 10 que um dia seria eternizada pelo recém-chegado.

Dondinho disse que Pelé ficaria na Vila e pediu para Vasconcelos tomar conta dele. Vasco, como o chamavam, gostava da farra, mas levou a sério a incumbência paterna e jamais permitiria que Pelé bebesse ou fumasse. Pelé se sentiu à vontade em meio aos craques que ele só conhecia por figurinhas.

No dia seguinte ocorreria o primeiro registro fotográfico de Pelé no Santos. Na foto ele veste a camisa preta e branca do Santos por dentro da calça comprida que usava pela primeira vez . Símbolo de um ritual de passagem, a calça foi costurada por dona Celeste. O tímido garoto de sorriso largo encostou-se no alambrado e posou para a foto histórica.

E assim o menino ficou, revezando-se entre o time juvenil e alguns treinos entre os profissionais. Quatro meses e meio depois, seu amigo e protetor Vasconcelos quebrou a perna em um clássico contra o São Paulo, lá mesmo na Vila, e Pelé teve a sua chance de se firmar no time principal.

Os 18 anos seguintes todo mundo conhece. Pelé e o Santos ganharam o mundo. Logo na sua chegada havia no ar um presságio otimista, de que realmente o Santos estava recebendo uma espécie de redentor. Tanto, que o jornal A Tribuna saudou a chegada de Edson Arantes do Nascimento à Vila com a manchete:

Contratou o Santos um moço que promete ser um crack

Logo após seu primeiro treino, Pelé foi assunto de reportagem do jornalista Adriano Neiva, o De Vaney, publicada na edição 25 de julho de 1956. Dizia De Vaney que no treino de 40 minutos “destacou-se sobremaneira o meia-direita que formou no time dos suplentes, com um trabalho sóbrio, porém de boas qualidades técnicas”.

Após o treino, ainda segundo De Vaney, o departamento profissional do clube entrou em entendimentos com pai do jogador, João Ramos do Nascimento, o Dondinho, e Waldemar de Brito, “o famoso jogador do passado, que é o orientador intelectual da grande promessa futebolística”, e acertou-se que o jovem Edson Arantes do Nascimento receberia seis mil cruzeiros mensais (o equivalente a dois salários mínimos da época) e ganharia uma bolsa de estudos do Santos Futebol Clube para cursar o ginásio em um colégio da cidade.