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Foco, Futebol e Fé: os passos de Junior Santos no esporte

Um início de dúvidas, o amadurecimento quanto à sua fé e os anos vitoriosos pelo futebol asiático: Junior Santos, ex-Chapecoense, conta pouco a pouco como foi sua caminhada no futebol até os tempos atuais

 
Foto: Sirli Freitas / Divulgação / Chapecoense

1– O que fez você se tornar jogador?

 

Junior Santos: Acho que todo brasileiro já nasce ganhando uma bola de futebol e comigo não foi diferente. No interior, principalmente, os recursos são poucos e pra começo, assim, eu até deixava de ir pra escola para jogar futebol, no interior, em Mortugaba (BA), uma cidade pequena com 15 mil habitantes. Então, a gente estava jogando o tempo todo, o pessoal gosta muito de futebol, de esporte. Algumas pessoas que me ajudaram bastante, iam treinar comigo às 6 h da manhã e aí surgiu a oportunidade de fazer teste, comecei pelo vitória, fazendo peneirão pela região, acabou passando eu e mais um entre duas mil crianças e aquele desejo foi crescendo no meu coração de ser jogador de futebol. Sempre que eu tinha oportunidade, eu estava jogando, não media esforços para estar jogando futebol. Com 12 anos, jogava no meio dos adultos, jogava na zona rural, a gente não tinha condições e pegava a bicicleta, quem tinha bicicleta levava o outro no quadro por cerca de 6 quilômetros. A gente ia, jogava um torneio, uma partida, voltava e na volta a gente vinha comendo frutas e essa era a diversão nossa, por ser interior e aí foi alimentando o desejo de ser jogador de futebol, numa cidade muito pequena, mas também muito importante.

 

2– Como chegou até você a oportunidade de atuar fora do país? E o que o fez aceitar essa proposta?


JS:
Eu sou evangélico, creio muito na palavra do Senhor e quando eu me profissionalizei pelo CRB, de Alagoas, eu questionava muito à Deus, por praticar a palavra, estar sempre dormindo cedo, trabalhando muito e as oportunidades não chegavam, então eu perguntava muito à Deus o porquê, enquanto outros amigos, companheiros meus, “quebravam” a noite, faziam muita coisa errada e as oportunidades apareciam e eu não entendia isso até um Pastor chegar em mim para conversar direitinho, falar o que estava acontecendo, o motivo de acontecer, que tudo tem o tempo certo para acontecer e não é só quando a gente quer. Eu acredito que Deus estava moldando o meu coração para me abençoar, para eu honrar em qualquer lugar que seja e depois dessa conversa eu mudei o meu pensamento, esqueci totalmente o que estava acontecendo com os outros e vivi minha vida, praticando a palavra de Deus, trabalhando muito sério. Eu tinha um treinador, o Ubirajara, que hoje está até no Japão e ele gostava de trabalhar categoria de base e conversar muito com os jogadores. Ele falava que queria formar um cidadão, uma pessoa de bem e ser profissional era uma consequência. Eu peguei isso para mim e comecei a entender, realmente, a vontade de Deus. Eu comecei a visitar igrejas pequenininhas, onde ninguém me conhecia, eu era muito jovem e Deus usava pessoas para falar ao meu irmão, Vagner Quirino, que é um amigo muito próximo, um irmão mesmo: “Ó, Deus vai levar você para fora do país, vai me mostrar você fora do país, em dois, três países” – e quando vi que falaram isso só para ele, eu fiquei com o coração bastante magoado, já ia voltando ao público até esse meu irmão andar uns 5 metros, pegar o microfone e dizer: “Irmão, Deus tá falando pra você também, Ele vai te honrar também”. Eu, tão falhou que sou, ainda pensei comigo “Será que é verdade?” e ele pegou o microfone e falou de novo “Deus tá falando pra você, não duvide das promessas dele não” e aí eu não aguentei, comecei a chorar e depois disso, Deus usava muitas pessoas, em todas as igrejas em Alagoas, Paraná, Londrina, Cascavel, para eu não esquecer dessa promessa. Foi daí que eu saí de Alagoas para Londrina, jogar lá, no Arapongas e depois Cascavel. Foi aí que surgiu a oportunidade de jogar fora, eu tinha feito só um jogo pelo Cascavel e aí eu aceitei, fiquei muito feliz e lembrei dessas promessas. Na segunda-feira, eu estava deitado com a minha esposa e dei um “Glória a Deus! Deus é fiel!”, então Deus cumprindo aquilo que ele prometeu. Eu aceitei na hora porque era eu honrando a promessa de Deus e realizando sonhos também.

 
Foto: Chung Sung-Jun/Getty Images AsiaPac

3– Você passou alguns anos jogando entre China e Coreia do Sul. Há muitas diferenças entre os dois países? Conseguiu aprender muito dos idiomas, da cultura dos lugares?

 


JS: Então, passei muito tempo, joguei 8 anos ali, entre Coreia e China. Fiquei os primeiros 3 anos (2010 à 2013) na Coreia do Sul, jogando pelo Jeju United, fui muito bem, a adaptação foi maravilhosa, foi perfeita e o idioma é muito difícil, mas a gente tem que aprender, né? Eu tinha que me virar e assim eu fui comprado pelo Wuhan Zall. Fiz um contrato de 3 anos, mas infelizmente a adaptação não foi igual porque o futebol era muito inferior, a cultura era muito diferente e os costumes também, educação e a gente estava muito adaptado num país que é primeiro mundo (Coreia do Sul) e com minha esposa sentimos bastante, porque estávamos já com uma criança, de 2 anos, a nossa filha Sara. Sentimos muita dificuldade com escola, hospitais, tivemos um baque muito baque porque acabamos precisando e vimos que era muito diferente, não era tão tranquilo como na Coreia. Antes de assinar o contrato mesmo, eu pedi para não assinar, queria ficar na Coreia, mas infelizmente já tinha tudo combinado com o clube, então eu tive que ficar, mas todos os dias eu pedia para ir embora, mesmo com o treinador não querendo que eu saísse. Os chineses, por ganharem muito bem, se acham o Pelé, o Messi, o Neymar, Ronaldo. Não abaixam a cabeça para ninguém enquanto os coreanos são totalmente diferentes. Se vêem um brasileiro, eles respeitam muito, pedem opinião, perguntam como podem fazer isso, melhorar aquilo ou o que você precisa. No final da janela, eles (os chineses) não conseguiram negociar o nigeriano e perguntaram se eu queria ir embora e eu aceitei. Me trouxeram duas propostas e eu acabei aceitando a do Suwon Bluewings, da Coreia do Sul, um grande time onde eu quase fui pra lá quando estava na Coreia, mas não fui, então dessa vez eu abracei a oportunidade. Fui muito bem, fui artilheiro, vice-artilheiro, renovei o meu contrato e foi muito bom voltar ao país em que eu já estava adaptado. Os costumes são diferentes, o futebol da Coreia é mais pegado, muito mais físico, mais tático e os jogadores são mais inteligentes do que os chineses, então a liga mesmo sem ter tanto financeiro, tem clubes superiores em qualidade técnica, tática aos chineses. A China tem essas dificuldades para se adaptar e, mesmo com outras propostas para voltar a jogar lá, eu não quis ir e preferi ficar na Coreia do Sul, por já estar adaptado com a minha família, e vivi 8 anos muito felizes e vitoriosos.

 

4– Como são os campeonatos em questão de competitividade? A visão de algumas pessoas, sobre esses campeonatos serem mais “fracos”, é correta?


JS: Então, as pessoas falam por não conhecer, por não estarem lá presentes, falam por 10 anos atrás e eu concordo que, há uns 20 anos, o futebol asiático era bem inferior, mas há uns 5 anos você pode analisar que o futebol não só asiático, como mundial, nivelou. Nivelou porque é taticamente, é respeito, é ser profissional e eles são muito profissionais, muito obedientes na parte tática, como se você pedir para o jogador ficar ali, em cima da linha, ele fica, ele respeita e o futebol mundial hoje, é isso. E lógico, sempre vai ter alguém diferente no país que se destaca e vai embora, mas aí começam a gerar outros bons jogadores, que nascem com o dom e vão aperfeiçoando. E essa liga vai melhorando, melhorando, trazendo jogadores de fora e a coreia mesmo você pode olhar que ela sempre teve dois, três estrangeiros no clube para melhorar, e melhorou. O futebol coreano, você pode ver, a seleção jogou contra a Alemanha e por maior a dificuldade que foi, acabou vencendo e não foi por acaso, eles tem crescido muito, apostado em treinadores estrangeiros, a liga cresceu bastante, muita competição com 4, 5 clubes fortes hoje, que investem muito. Tem sempre um que chega com mais frequência porque o nível de investimento é 3 ou 4 vezes maior do que o dos outros, mas é uma competição nivelada. Pode ver que todo jogador que sai da série A para jogar na Coreia do Sul, tem muita dificuldade porque é um futebol mais rápido, com força, movimentação, obediência tática e não só qualidade. Às vezes o jogador sai, sente essa dificuldade, fica só 6 meses, 1 ano e volta por não conseguir se adaptar. O futebol mundial está assim e o brasileiro precisa entender isso, aprender isso, porque vai melhorando assim. Se não adaptar tática, técnica, treinamento e obediência tática, nunca vai melhorar, pois só a qualidade técnica, talvez, não resolva hoje. Então, o futebol coreano é muito competitivo. O chinês não, no chinês você ainda pode tirar dois ou três clubes que superam todos os outros porque o investimento é muito alto e pega os melhores jogadores das seleções para fazer a diferença. Na Coreia do Sul é nivelado, com jogadores coreanos e estrangeiros mais ou menos no mesmo nível, fazendo boas disputas nas competições.

 
Foto: Reprodução/Suwon Bluewings

5– Quanto à Chapecoense, como você espera que seja o 2019 da equipe após um 2018 meio conturbado, principalmente no segundo semestre?


JS: Eu torço por eles, torço pelos meus companheiros que ficaram lá. Tem muitas pessoas boas na Chapecoense, a torcida, a cidade, os jogadores que não mereciam passar pelo que passou no ano passado, pela dificuldade, pelos problemas, as conturbações, troca de treinadores. Infelizmente, o futebol brasileiro é dessa forma e tem coisas no futebol que quem está de fora, não percebe e que atrapalha muito dentro de campo. Talvez não sejam só os treinadores ou os jogadores que resolvem os problemas, mas muitas outras influências, porém a minha torcida é que faça um ano de 2019 muito melhor do que foi 2018, consiga chegar bem nas competições, como foi feito em 2016. É a minha torcida, porque ficaram muitos ‘irmãos’, amigos lá em Chapecó, então torço para que vão muito bem em 2019, o segundo semestre é o que vai definir tudo, né por ser quando chega à reta final, que vai decidindo tudo, mas eu creio que 2019 será diferente, muito melhor do que 2018.

 

6– Como está sendo o ambiente do time, como está o humor dos jogadores e comissão técnica?