A goleira Aline Reis, defensora da Seleção Brasileira, concedeu entrevista ao site Mercado do Futebol, confira o que disse a jogadora
1. Aline, nem todo começo de carreira é fácil, pode nos dizer como foi a sua decisão de se tornar jogadora de futebol? Qual sua maior inspiração para seguir no esporte?
R: Não me lembro quando foi a primeira vez que brinquei com bola. De certo era ainda muito nova para poder me lembrar. Sempre fui uma criança muito espoleta, ativa, que gostava de muitas atividades. Fiz um pouco de todos os esportes, mas o futebol sempre foi minha paixão. Graças a Deus minha família nunca foi contra o meu amor pelo futebol, muito pelo contrário, sempre recebi o apoio deles, que aos 10 anos me matricularam em uma escolinha de futebol para que eu começasse a ter treinamento específico para goleiros. Nessa idade, minha maior inspiração era a diversão. Ficava super ansiosa pros dias de escolinha. Além de me divertir muito, percebia que tinha talento pro esporte e principalmente pra posição de goleiro. Com o passar do tempo, através do esporte, fui tendo outras inspirações e objetivos, como a de conseguir cursar uma faculdade nos Estados Unidos, podendo continuar a jogar em alto nível e ao mesmo tempo dar sequência aos estudos.
2. Passou nove anos morando nos Estados Unidos, como foi sua adaptação? O que te fez mudar de país?
R: Grandes mudanças, embora muitas vezes benéficas, nunca são fáceis. Eu estava muito decidida quando aceitei a bolsa de estudos para jogar e estudar na UCF (University of Central Florida, Orlando/FL). No meu primeiro clube, o Guarani FC, tive muitas companheiras de time que já tinham passado por essa experiência de fazer faculdade nos EUA, então sempre tive em quem me espelhar. Sabia que a decisão de ir pra fora renderia bons frutos, pois uniria o útil ao agradável, cursar a faculdade sem precisar desistir do sonho de jogar futebol. O mais difícil foi ficar longe da família e o aprendizado da língua. No começo, senti que perdi um pouco da minha personalidade. Não foi fácil continuar sendo eu mesma, porque não conseguia me expressar da mesma maneira, o que era extremamente frustrante. Mas consegui aprender com essa situação. Aprendi a ouvir mais, a observar mais. Com o tempo o meu inglês foi melhorando e eu fui conquistando meu espaço cada vez mais. Me identifiquei muito com a cultura Americana. Eles são extremamente pró-ativos. Procuram reclamar menos e fazer mais. Também são competitivos ao extremo, sempre dando o melhor de si mesmo para serem os melhores. Toda essa dedicação gera resultados, não só no esporte, mas em todas as áreas.
3. Voltou ao Brasil em 2016 para ter a oportunidade de ir as Olimpíadas no Rio de Janeiro, como foi estar de volta depois de tanto tempo? Como você analisa seu retorno, atuando pela Ferroviária?
R: Em Setembro de 2015 decidi voltar a atuar. Durante meu período nos Estados Unidos, sempre estive inserida no futebol, mas nos últimos anos, estava trabalhando como treinadora de goleiras na UCLA. Foi durante a Copa do Mundo de 2015 que comecei a ter uns sentimentos estranhos, uma sensação de que talvez eu tivesse aposentado as chuteiras muito cedo. Tinha apenas 26 anos, o que me dava a possibilidade de voltar a jogar futebol. Mas não foi uma decisão fácil, afinal, estaria trocando o certo pelo incerto. No momento, trabalhava numa das melhores faculdades do mundo, com um dos melhores times de futebol feminino. Trabalhava com atletas de alto nível, nível de Seleção Americana, que tinha acabado de ser campeã mundial. Muitos técnicos fariam de tudo para estar no meu lugar, trabalhar na UCLA. Eu era feliz, tinha um trabalho estável e com uma boa remuneração, além do que, amava Los Angeles.Mas algo me dizia que chegaria uma hora que eu me sentiria extremamente frustrada por não ter me dado uma segunda chance. Por não ter jogado por mais tempo. Todas as possibilidades do que eu ainda poderia fazer no futebol, como atleta, me deixavam inquieta. A profissão de treinador não tem validade, poderia continuar a ser técnica por muito tempo, porém, a validade do jogador de futebol é muito curta, e eu não poderia perder essa segunda chance. Queria estar em campo, ser a estrela do espetáculo ao invés de estar instruindo do lado de fora.Estava decidido. Voltaria a jogar futebol. Me tornar uma atleta olímpica não foi a razão pela qual eu voltei a jogar. Voltei a jogar porque ainda tinha essa vontade dentro mim, porque nada se compara com o “estar em campo”. Mas como em tudo na minha vida, quando me comprometo com algo, me atiro de corpo e alma, e não aceito nada menos do que dar o meu melhor, por isso, sonhei grande. Minhas metas eram nada menos do que retornar à Seleção Brasileira e jogar as Olimpíadas. Quando tracei o plano de como chegaria à esses objetivos, entendi que a primeira coisa a fazer era retornar ao Brasil, dessa forma, aumentando a minha visibilidade. Queria “estar na cara” dos dirigentes da Seleção, queria mostrar pra todo mundo o meu trabalho e ter uma oportunidade na Seleção.A Ferroviária me possibilitou tudo isso. Lembro do dia em que, pelo Facebook, entrei em contato com Leonardo Mendes (então técnico da Ferroviária), e contei à ele os meus objetivos. Ele deve ter me achado um pouco louca, afinal, após passar tanto tempo nos Estados Unidos, o meu nome não era muito conhecido no Brasil. Mas o importante é que ele me deu a oportunidade. Com um contrato de apenas mil reais, fui pra Ferroviária motivada à mostrar pra eles e pra todo o Brasil que eu merecia uma oportunidade. Tínhamos um bom time, éramos bem treinadas e consequentemente, fomos bem no Campeonato Brasileiro. Individualmente eu também fui destaque e consegui a tão sonhada convocação para um período de treinos com a Seleção. Foi aí que tudo começou.
4. Como foi a experiência de defender a Seleção Brasileiras nas Olimpíadas? Qual é o melhor momento da sua carreira até hoje?
R: Quando ouvi o técnico Vadão dizer meu nome na escalação olímpica, fiquei sem reação. Não sabia se sorria, se chorava, se saia gritando. Fazer parte de uma das maiores competições do mundo, que é as Olimpíadas, foi incrível. Poder entrar em campo e defender o Brasil, na nossa própria casa, em frente de mais de 40 mil torcedores, foi inesquecível. Tudo isso serviu pra me deixar com um gostinho de quero mais e aumentar ainda mais a minha ambição. Coleciono bons momentos na minha carreira. Por cada time que passei, pude me destacar e viver bons momentos, cada um com seu gostinho especial. Muito difícil escolher um.
5. Desde que começou a sua trajetória no futebol feminino, chegou a sofrer preconceitos ou pensou em desistir do esporte? Você acha que ainda há um caminho a ser percorrido para que o país do futebol aprecie o futebol feminino diariamente?
R: Não conheci nenhuma menina no Brasil até hoje que não tenha sofrido preconceito. Na escola recebia apelidos desagradáveis, como mulher macho, pelo simples fato de amar e praticar o futebol. Ouvia que futebol era coisa pra homem, que eu deveria tentar outro esporte. Muitas vezes quando jogava contra os meninos, eles ficavam loucos quando perdiam pra mim, não aceitavam perder pra uma menina, como se aquilo fosse humilhação. Mas como disse, graças a Deus, sempre recebi o apoio da minha família, o que me motivava a não dar ouvidos aos comentários maldosos e ao preconceito fora de casa.Ainda existe um caminho longo a ser percorrido para diminuir nosso machismo cultural. Um dos meus maiores sonhos é que o Brasil se torne o pais em que futebol é considerado esporte pra todos, como já acontece em algumas culturas, principalmente a Americana, onde o futebol também é esporte pra mulheres. O meu desejo é que o futebol feminino esteja cada vez mais presente na mídia, para que as pessoas comecem a apreciar o futebol feminino pelo que ele é e representa.
6. Você atua como goleira, entre todas as posições do futebol, é a mais diferenciada. Se acertar, haverá a admiração de salvar o time, se errar haverá julgamentos. O que teria para falar a nova geração de defensoras que estão se formando no país?
R: O goleiro tem que ser muito seguro de si e gostar de pressão e responsabilidade. Para ter essa mentalidade, o atleta precisa entender que a verdadeira confiança vem do preparo nos treinos e da dedicação diária. Se todos os dias você treina da maneira como você joga, não tem porque temer o jogo, pois quando entrar em campo, sentirá que está preparado para aquilo. Também costumo dizer que o goleiro precisa ter memória curta. Quando ocorre uma falha, não podemos nos deixar definir por esse momento, temos que o mais rápido possível achar um jeito pra dar a volta por cima e retomar a confiança. Mas a memória curta não é apenas para as falhas, e sim para os sucessos também. Não podemos viver das defesas e heroísmos de jogos passados. O goleiro tem que estar focado em todos os jogos, pois a nossa margem de erros é muito pequena. O meu recado para a nova geração de goleiros que estão se formando no nosso país é que eles se conscientizem que o papel do goleiro está se tornando cada vez mais importante no futebol. Já foi a época em que treinávamos apenas defender o gol e ser imbatíveis nos chutes. Hoje em dia, um bom goleiro é muito mais do que apenas um defensor de chutes. Precisamos dominar na bola aérea, estar ligados na cobertura, ser uma referencia com os pés, além de uma boa distribuição com as mãos, e principalmente entender a proposta de jogo do time, para que você possa se comunicar de maneira efetiva com seus jogadores, diminuindo assim os erros e as chances do adversário.
7. Para o futuro, pensa em ficar no Brasil ou voltar aos Estados Unidos? Quais suas expectativas individuais para 2018?
R: Meu maior foco para o primeiro trimestre de 2018 é a Copa América. Optei por não retornar à Europa no começo desse ano justamente para ter um período de treinamento maior com a Seleção Brasileira. Ainda não decidi pra qual time vou após a Copa América, mas não descarto nenhuma possibilidade. Futuramente, quando me aposentar novamente, meu objetivo é retornar aos Estados Unidos como treinadora.
8. Deixe uma mensagem para os colunistas e leitores do site mercadodofutebol.com?
R: Quero agradecer pela oportunidade de discutir um pouco mais a respeito do Futebol Feminino e poder contar um pouco da minha história. O esporte, feminino ou masculino, pode nos ensinar muitas coisas. Tudo o que tenho hoje, todas as minhas conquistas e experiências vividas, devo ao futebol. Encontrei minha paixão e fui resiliente pra não desistir dela. Por fazer com amor o que eu amo, mesmo com as dificuldades, tenho colhido bons frutos. Então essa é minha mensagem, qualquer que seja a sua paixão, seja comprometido em dar o seu melhor.