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Um River Plate que se forjou no Mineirão sucumbiu na mesma cancha

Há sete anos, os comandados de Gallardo faziam 3 a 0 no Gigante da Pampulha e hoje parecem se despedir de Muñeco

O futebol se pudesse ter outro nome deveria ser chamado de ironia. Mais do que amor, drama, alegria ou tristeza, o substantivo que define este esporte muitas vezes é ironicamente a ironia. O Club Atlético River Plate se despediu da Libertadores 2021 sendo massacrado por um Atlético Mineiro em delírio com a volta da torcida e mostrando em campo tudo o que pode. Do lado argentino, a grama do Mineirão não foi o palco para uma noite feliz – longe disso aliás.

Quis o destino que o provável último jogo de Marcelo Gallardo pela Libertadores nesta passagem pelo River Plate fosse no mesmo estádio que seu time se forjou em 2015. O nascimento dessa equipe que encantou a América do Sul e enfileirou taças – especialmente as internacionais – começou um ano antes. Após a volta da Primera B (segundona argentina), o time de Núñez começou a escalada.

O primeiro sinal de aonde o River poderia chegar foi dado com uma defesa de pênalti de Marcelo Barovero na semifinal contra o Boca na Sul-America de 2014. Após a conquista no ensandecido Monumental, uma imagem do treinador com as mãos para o alto parecendo não acreditar no título enquanto os jogadores saem correndo sintetiza o que foram esses sete anos – incredulidade, loucura e intensidade (tal qual um jovem conhecendo o amor da vida).

O orgulho millonario acendeu a chama naquela noite. A partir dali, vimos o monstro CARP crescer. Na ‘infância’, tropeçou muitas vezes e por pouco não se despediu da Libertadores de 2015 ainda nos grupos. É aquela história que ouvimos sempre, se tiver a oportunidade de matar um gigante, mate. Quis o destino que o Boca Juniors fosse o rival nas oitavas de final. Com gás de pimenta e um inferno na Bombonera, os de Gallardo passaram.

Nas quartas, o Cruzeiro campeão brasileiro venceu no Monumental por 1 a 0. Dentro do Mineirão, o coração, o cérebro e as pernas responderam de forma impecável. E foi em Belo Horizonte que o grande tomou forma. Um, dois, três gols… O River Plate de Gallardo partia para conquistar a América. Coparam Assunção na semi e levantaram a terceira Liberta em casa.

Em 2016 a equipe deu um tempo na América e partiu para conquistar as Copas locais. O time até perdia, mas era difícil para o adversário ganhar. A primeira Copa da Argentina conquistada foi com um 4 a 3 no Mario Alberto Kempes sobre o Rosário de virada em três minutos. Na edição seguinte, outra Copa sobre o Atlético Tucumán.

O auge chegou em 2018 na Libertadores. Marcelo Gallardo passou por todas as instâncias para conseguir seu habeas corpus eterno. E quando digo por todas, são as mais absurdas mesmo. Em peso das camisas, aquela Copa foi a maior de todas. O River valorizou ainda mais eliminando Racing, Independiente e Grêmio até chegar a final. O detalhe da semi é o Muñeco – suspenso – entrando no vestiário e mudando o espírito do time na Arena do Grêmio.

A inacreditável final del mundo ante o Boca não era para acontecer. Chuva na ida e vidros quebrados na volta. O resultado foi o maior superclássico da história em Madrid. Vitória do River de virada. Os hinchas millonarios fazendo o papel de juiz da suprema corte deram a eterna liberdade ao homem que personificou um clube.

(Reuters)

Terminando o ápice, a ‘velhice’ foi caminhando um passo de cada vez para o time do Monumental. Em 2019, vice-campeão da América no apagar das luzes. Em 2020, perdendo o Campeonato Argentino na última rodada e caindo na semifinal da Libertadores.

O fim de ciclo começou a dar suas caras. O River Plate tinha o mesmo coração, mas o time não tinha a mesma técnica e nem a cabeça. Hoje, o mais atento amante do futebol sul-americano que tantas vezes viu a beleza do time do Monumental viu um Gallardo mais quieto e menos intenso.

A ironia dita no começo do texto volta agora. La Banda de Muñeco foi uma pessoa que relembra seu tempo de jovem e visita o lugar que teve o primeiro beijo por exemplo. O sentimento no fim das contas é uma mistura de tristeza, saudade, gratidão e orgulho por tudo vivido. Ao que se indica, é o fim do maior River da história.