Coutinho, o Rei da pequena área

Por Odir Cunha, do Centro de Memória

Coutinho estaria comemorando 77 anos neste 11 de junho. Ele viveu toda a intensidade do futebol, as alegrias e tristezas mais profundas do esporte, em muito pouco tempo. Aos 14 anos estreou no Santos, aos 15 estava ganhando a posição de Pagão, aos 16 era o companheiro ideal de Pelé, aos 18 era o centroavante titular da Seleção Brasileira, aos 19 se tornou campeão da Libertadores e do Mundial, e aos 20, após duas cirurgias nos meniscos, entrou em uma precoce e dolorosa decadência.

Muito já se falou sobre Antônio Wilson Honório, nascido em Piracicaba em 11 de junho de 1943, chamado de “Coto de Gente” por sua mãe, daí o apelido famoso. Falecido em 11 de março de 1919, em Santos, cidade que escolheu para viver e formar família, nas suas entrevistas Coutinho transmitia o orgulho e o poder daquele time mágico que encantou e dominou o futebol nos artísticos anos 60.

Para muitos, como o centroavante Almir Albuquerque (1937-1963, o maior mérito de Coutinho foi acompanhar a genialidade de Pelé. Na página 106 do livro “Eu e o futebol”, Almir explicou seu ponto de vista:

– Há um jogador injustiçado no futebol brasileiro: Coutinho. O Couto jogou durante muitos anos ao lado de Pelé. Só pôde fazer isso porque tinha uma inteligência e um futebol acima da média. Aquelas tabelinhas entre eles são a prova disso: trocavam oito a dez passes a curta distância, em alta velocidade, e atravessavam uma floresta de adversários. Muita gente fez tabelinha com Pelé, mas com aquela eficiência, aquela beleza (eles pareciam dois artistas, uma pintura), só o Coutinho foi um parceiro à altura do Negão.

Um crítico do jornal francês L’Équipeteve a mesma impressão ao ver a dupla se exibindo na Europa:

– É questão de segundos. Os pés mágicos, com rapidez alucinante, diabólica, passam pelos zagueiros espantados. A bola corre junto com Pelé e Coutinho, dominada e possuída. É uma jogada elétrica, avassaladora e irrefreável. A arte pura.

O próprio Pelé, jogador que mais perto chegou da perfeição, humildemente já admitiu que na pequena área o rei era seu parceiro de ataque:

– Coutinho encontrava uma maneira de entrar no meio dos zagueiros e eu tinha apenas o trabalho de tabelar com ele. Outra grande vantagem era a sua tranquilidade na área. Ele era muito mais calmo do que eu. Sabia quando se deslocar, quando tocar na bola e quando chutar. Nunca fez um lance errado. Às vezes eu pensava em uma jogada e, sem que lhe dissesse nada, ele a executava.

Sim, tabelaram de todas as formas, algumas vezes desde o meio do campo, como na primeira partida da semifinal da Taça do Brasil de 1963, contra o Grêmio, em Porto Alegre. Foram trocando passes pelo alto, dominando no peito, dando chapéus, até que o goleiro Alberto saiu e conseguiu segurar a bola. A própria torcida gremista aplaudiu a jogada.

Criativo, de forte personalidade, Coutinho foi o melhor atacante de vários jogos do Santos, com ou sem Pelé. Aos 16 anos marcou cinco gols na goleada de 12 a 1 sobre a Ponte Preta, na Vila, pelo Campeonato Paulista. Aos 17 fez outros cinco na vitória de 8 a 2 sobre o Basel, na Suíça.

Em julho de 1962, aos 19 anos, marcou dez gols em três jogos oficiais consecutivos: três contra a Esportiva, todos os cinco da goleada sobre o XV de Piracicaba por 5 a 1 e os dois da importantíssima vitória contra o Peñarol, em Montevidéu, na primeira partida da final da Libertadores.

Não é à toa que tenha se tornado titular da Seleção Brasileira para a Copa do Chile, a ser jogada de 3 de maio a 17 de junho de 1962. Inscrito com a camisa nove, ele estrearia na Copa com apenas 18 anos. Duas semanas antes, porém, levou uma pancada no jogo contra País de Gales, no último amistoso da Seleção antes da viagem, e acabou perdendo a posição para Vavá.

Continuou sendo um centroavante de enormes qualidades, mas a ausência na Copa de 1962 marcou o início de um período difícil. Com a segunda operação dos meniscos, em 1963, seu futebol se tornou inconstante. Aos poucos, Toninho Guerreiro tomou sua posição no Santos.

Ficou fora da Copa de 1966, na Inglaterra, mas seu prestígio ainda era tanto que antes da Copa de 1970 o técnico João Saldanha chegou a consultá-lo para ver se poderia se preparar para os jogos no México. Afinal, Coutinho ainda teria 26 anos no início da Copa.

Depois de dez anos no Santos ele jogou no Vitória da Bahia em 1968; na Portuguesa de Desportos em 1969; voltou a jogar no Santos em 1969 e 1970 e encerrou a carreira no Saad, em 1973. Com a camisa do Alvinegro Praiano fez 475 jogos e marcou 368 gols. Pela Seleção Brasileira jogou 16 partidas (15 oficiais) e marcou sete gols.

Depois de abandonar a vida de atleta, Coutinho iniciou carreira de técnico. Trabalhou nas divisões inferiores do Santos, depois Valeriodoce, Comercial e Operário de Campo Grande, Bonsucesso/RJ, Santo André e Itaquaquecetuba. Casado com Vera Lúcia Vieira Honório e pai de duas filhas, Coutinho tinha 75 anos quando faleceu, em 11 de março de 2019, devido a complicações da diabetes e do Mal de Alzheimer.

Símbolo de um Santos celestial para o público, mas ao mesmo tempo terrível para os adversários, Coutinho ganhou a média de dois títulos por ano na Vila Belmiro. Boa parte do sucesso da equipe se devia à personalidade de jogadores como ele, que sabiam o que queriam e como chegar lá. Suas definições sobre aquele Santos e seus companheiros mostram bem a confiança e a irreverência deste eterno Rei da pequena área:

Chegada ao Santos

Joguei contra o aspirantes do XV, o Lula gostou e me convidou para treinar no Santos. Quando surgiu a oportunidade eu arrumei o dinheiro da passagem e fui, se não me engano em maio de 1958. No primeiro coletivo não sabia quem era Pelé, Pepe, Pagão, não conhecia nenhum dos titulares. Marquei um gol e o Hélvio disse para o Lula: ‘Contrata porque vai ser craque’. Nem cheguei a jogar no juvenil. Joguei no aspirantes, amador e profissional. Entrava às vezes no lugar do Pagão, até que ganhei a posição dele”.

Não era apaixonado por futebol