Sai Pochettino, entra Mourinho: valeu a pena?

Em 19 de novembro de 2020 Mauricio Pochettino era demitido do Tottenham. O argentino chegou ao clube em 2014 e guiou o time em jogos emocionantes no antigo White Hart Lane, no qual terminou a temporada 2016/17, a última no estádio, invicto, após vencer o Manchester United por 2 a 1 no jogo de despedida. Foram muitos momentos de alegria para o torcedor, mas nada se compara a campanha na Champions League de 2018/19. Pochettino e seus jogadores levaram o Tottenham a um dos momentos mais esperados de sua história e, apesar da derrota para o Liverpool na final, aquela campanha ficará marcada pela virada contra o Ajax na semifinal.

Jogo de despedida do White Hart Lane. Foto: Getty Images

Apesar disso, a história do argentino no clube chegou ao fim naquele mesmo ano. Após a derrota e um início ruim na próxima temporada, Daniel Levy, presidente do Tottenham, o demitiu. Era o fim do Tottenham de Mauricio Pochettino. Assim, no dia seguinte um novo técnico foi anunciado: José Mourinho. O português é conhecido por conquistar títulos, tendo conseguido ganhar uma Champions League com o Porto e a Inter de Milão. A decisão de contratá-lo gerou um grande alvoroço entre os torcedores e a imprensa, porque o estilo de jogo e perfil do técnico em nada se assemelhavam com o Tottenham. Foi uma ruptura, uma aposta.

Mas na última segunda-feira (19), todos acordaram com o anúncio da demissão do técnico português que estava prestes a completar 1 ano e 5 meses no cargo. Em nota oficial do clube, Levy disse que “José e sua equipe técnica estiveram conosco em alguns de nossos momentos mais desafiadores como clube. José é um verdadeiro profissional que demonstrou enorme resiliência durante a pandemia. A nível pessoal, gostei de trabalhar com ele e lamentamos que as coisas não tenham corrido como esperávamos. Ele será sempre bem-vindo aqui e gostaríamos de agradecer a ele e à sua comissão técnica pela sua contribuição “.

O mais surpreendente é que a demissão veio uma semana antes da final da Copa da Liga Inglesa, que ocorrerá domingo (25) contra o Manchester City. No entanto, apesar da saída do treinador, existem apenas especulações sobre quem assumirá o cargo. Dessa forma, Ryan Mason, ex-jogador do clube e atual chefe de desenvolvimento de jogadores assumiu o comando até o final da temporada.

Desempenho e números

José Mourinho é um técnico experiente na Premier League, pois já treinou Chelsea e Manchester United. Daniel Levy contava com essa experiência e com a fama de ganhador de troféus para acabar com o jejum de 13 anos sem títulos, já que o último foi justamente uma Copa da Liga Inglesa, em 2008. Mas ao olhar o pacote completo, é preciso lembrar que Mourinho também saiu de alguns clubes com relações desgastadas com jogadores e diretorias. Recentemente, por exemplo, Paul Pogba, do Manchester United, falou que no começo sua relação com o português era boa e, de um dia para o outro, tudo mudou.

Foto: Getty Images

Contudo, apesar de todos os motivos contrários que poderiam ser apontados de imediato, Mourinho começou bem no Tottenham. Ele assumiu o time na 14ª posição da tabela do campeonato inglês e após os primeiros dez jogos comandando a equipe em todas as competições, eles ganharam sete, empataram um e perderam dois, o que é um bom aproveitamento. No entanto, o restante da temporada 2019/20 foi marcado por atuações inconstantes e, consequentemente, os resultados também. O Tottenham só conseguiu se classificar para a Liga Europa na última rodada da Premier League, com um empate sofrido contra o Crystal Palace.

Ao final da temporada e com a janela de transferências aberta, o desempenho foi ofuscado pelas possíveis contratações. Existia grande expectativa sobre o que aconteceria, mas o time do norte de Londres, como já é de costume, não desembolsou valores altíssimos para contratar ninguém. Contudo, Mourinho, em uma única janela, conseguiu mais reforços do que Pochettino em seu último um ano e meio no clube.

No comando do time londrino, Mourinho tem a pior média de pontos por jogo da sua carreira como técnico: 1,77. Após 86 jogos disputados, conseguiu 45 vitórias, 17 empates e 24 derrotas. Apesar da fama de jogar com um estilo defensivo, a média de gols feitos é a segunda maior dele: 2,01. No entanto, a defesa deixou a desejar, tendo novamente a pior média de sua história: 1,28 gols tomados por jogo.

Já Pochettino que estava antes no cargo, tem uma média de 1,84 pontos por jogo, o que não é uma grande diferença. O argentino disputou 293 jogos, ganhou 160, empatou 60 e perdeu 73. Assim, sua média de gols feitos e sofridos é de 1,91 e 1,10, respectivamente. Pelos números, o desempenho dos dois técnicos não são tão diferentes, mas para ter o apoio da torcida é preciso mais do que isso.

Para além dos números

Para o torcedor que acompanha o time, vai ao estádio, ri e chora com os jogos, o futebol vai além dos números. Claro que são importantes, assim como os títulos, mas a torcida também quer ver a performance, a entrega e a paixão dentro de campo. Nesse sentido, quando os números não são bons e a performance também não, o que sobra? A frase “A maior falácia do futebol é que o jogo é unicamente sobre vencer. Não é nada disso. O jogo é sobre a glória, sobre fazer as coisas em estilo e com charme, subir a campo e bater o adversário, e não esperar que eles morram de tédio.” de Danny Blanchflower, ex-jogador do clube, faz parte da identidade do Tottenham.

Foto: Jesus Perez / @jesus_perez

Pochettino entregava, ou pelo menos tentava, isso. Mas ver os Spurs chegarem tão perto e falhar fez com que Daniel Levy deixasse de apoiá-lo. No entanto, mesmo com as críticas, ele era amado. Parecia representar a identidade do torcedor e do clube, a história. O argentino não merecia a forma como esse laço foi rompido. Durante uma pausa para a data FIFA, com os jogadores longe do clube, ele foi demito sem a chance de se despedir, deixando apenas um recado agradecendo e dizendo “Nós não pudemos dizer adeus… Vocês sempre estarão em nossos corações”. Ele não merecia.

Porém, sem os títulos, o clube se voltou para Mourinho agarrado a promessa de que ele resolveria a seca de troféus. Tottenham e Mourinho foi uma surpresa, uma combinação inimaginável. Em troca dos títulos, Levy aceitou deixar a identidade de lado. E a torcida, receosa, aceitou. Em certo momento até se empolgou, por exemplo, quando o Tottenham foi líder da Premier League e o clima era de euforia.

Mas não durou. Logo os Spurs voltaram a tropeçar e viram a esperança ir embora. A inconstância tomou conta das atuações, mesmo com Harry Kane e Heung-Min Son fazendo o possível e o impossível, em uma temporada extraordinária dos dois. Assim, aos poucos, o clima foi ficando cada vez mais tenso no vestiário. De acordo com o The Athletic os próprios jogadores ficaram “entediados de treinar com José Mourinho devido à falta de intensidade e o foco defensivo”. Afirmam também que os jogadores ainda dependiam de jogadas de ataque ensinadas por Pochettino. E além disso, segundo uma fonte do jornal, Mourinho “sugou a cultura do clube”.

Diante disso, qual o motivo para mantê-lo? Com ele os Spurs não tiveram os troféus, não tiveram os bons números e muito menos a paixão dentro de campo. A relação Tottenham e Mourinho só poderia dar certo se ele conseguisse cumprir com o objetivo para o qual foi contratado. E mesmo assim, possivelmente, ela não duraria muito. Porque são sintonias diferentes, o português chegou para trazer um resultado pontual e sem ele não existiam motivos para sua permanência. Passado todo esse tempo, o que ele agregou ao time? O que ele trouxe que o clube não tinha? Demitir Pochettino e contratar Mourinho, valeu a pena? A sensação que fica é a de que foi em vão. Talvez o argentino estivesse certo quando disse que o Tottenham precisava de uma reformulação para ser capaz de alçar voos mais altos, mas mal sabia que era ele quem não continuaria.

Bill Nicholson, o “Sr. Tottenham”, em 17 de maio de 1963. Foto: Getty Images

Um ano e cinco meses depois a necessidade de reformulação se manteve, mas dessa vez é preciso um técnico também. Agora se tem menos do que antes, porque a identidade do clube ficou perdida em meio ao caos. A mudança não valeu a pena. É hora de ter um projeto. Chegou o momento de reformular, de se reencontrar. De voltar a ser o verdadeiro Tottenham Hotspur.

Foto de capa: Getty Images